Rita Fittipaldi: Muralismo, Resistência e Maternidade
Como uma jovem mãe transformou administração em arte urbana e ocupa as ruas com resistência feminina
“A gente não precisa sempre estar na luta. Às vezes a gente só quer fazer um trem bonito mesmo, escrever o nosso nome, pintar de rosa e fazer uma carinha da Barbie. Igual os caras fazem.” — Rita Fittipaldi
Transcrição adaptada do programa ACCA: Autonomia Feminina
Do Estúdio ao Blog é o espaço onde transcrevemos e adaptamos os episódios do programa ACCA: Autonomia Feminina. A cada semana, reunimos dois episódios gravados com cada convidada ou convidado em uma entrevista única, para que você possa ler, compartilhar e revisitar os diálogos que nos inspiram a construir autonomia.
Nesta edição, quem chega até nós é Rita Fittipaldi — muralista goiana, designer e mãe jovem que iniciou sua trajetória na arte urbana em São Paulo, em 2012. Formada em Administração pela Fundação Getúlio Vargas, Rita decidiu trocar o mercado financeiro pelas ruas e pelos muros, aprendendo o grafite na prática, ao lado de outras mulheres e da cena de resistência urbana. Hoje, de volta a Goiânia, ela equilibra a maternidade, o design e a arte, além de ser a responsável por todo o design do site da Associação Cultura Cidade e Arte.
Na conversa, Rita fala sobre os desafios de ser mulher no muralismo, uma cena ainda dominada por homens, sobre o processo criativo e a importância de normalizar o erro, e sobre como a arte urbana ocupa e ressignifica a cidade. Ela também reflete sobre a maternidade solo, as redes de apoio e a necessidade de equilibrar sonhos profissionais com as demandas do cotidiano. Nesta entrevista, Rita mostra que ocupar as ruas com arte é um ato político de resistência feminina.
A seguir, leia a entrevista adaptada dos episódios do programa com Rita Fittipaldi, que fala sobre muralismo, criação artística e autonomia feminina.
Da Administração às Ruas: O Início de uma Muralista
Em 2012, recém-formada em Administração pela FGV, Rita sabia que não queria seguir o caminho tradicional do mercado financeiro. A resposta veio nas ruas de São Paulo.
Rita: “Comecei explorando as ruas, desenhando coisas horrorosas no muro de pessoas que não queriam que eu desenhasse essas coisas horrorosas.”
O muralismo trouxe um desafio único: aprender fazendo, sem poder esconder os erros. Diferente de outras artes, o muro expõe cada traço imperfeito para toda a cidade ver.
A sorte foi encontrar outras mulheres e artistas da cena que a acolheram, ensinando técnicas e, principalmente, levando-a para a “cena de resistência urbana”.
Pixação vs. Muralismo: Territórios de Luta
Rita explica a diferença entre as manifestações da arte urbana com clareza política:
Sobre a pixação: “O picho traz a periferia para ocupar espaços da cidade onde eles não são aceitos. Quando pichadores entram no centro, em bairros nobres, fazem rapel e pintam lá no topo, eles estão mandando uma mensagem: ‘eu vim, vivi e venci’.”
Já o muralismo permite mais tempo de criação e diálogo. É possível conversar com donos de espaços, preparar rascunhos e desenvolver mensagens mais elaboradas.
Ambas as formas carregam simbolismo de ocupação e resistência, mas com estratégias diferentes.
Arte Como Resistência Feminina
Os murais de Rita dialogam diretamente com mulheres jovens, ocupando espaços públicos com mensagens de resistência.
Rita: “Curto muito fazer grafites que conversam com as mulheres. Normalmente pinto mulheres e falo sobre elas ou sobre política. Acho que é o lugar certo para falar sobre isso.”
Um episódio marcante aconteceu quando foi convidada para pintar sem saber que era um quartel policial. Em vésperas de eleições, criou um grafite de uma mulher pichando com mensagem política direta.
No dia seguinte, toda a mensagem havia sido apagada. Sobrou apenas “uma menina segurando algo que parecia spray”.
A Censura Velada
Este episódio ilustra a repressão que ainda existe sobre o que mulheres podem falar e onde podem se expressar na arte urbana.
Goiânia: Ocupando uma Cidade Patriarcal
Goiânia, com sua lógica patriarcal e coronelista, apresenta desafios específicos para muralistas mulheres.
Monumentos Masculinos
Bandeirantes, Pedro Ludovico – apenas figuras masculinas históricas
Mulheres Representadas
Apenas grávidas ou como mães – visão limitada do papel feminino
Quando Rita começou em 2012, a cena era dominada exclusivamente por homens. Encontrar espaço e aceitação foi um processo difícil.
Rita: “Era só homens. Foi difícil encontrar as pessoas certas que me abraçaram no rolê, porque é uma cena dominada por homens. Os caras não vão te incluir, ponto.”
A Mudança Chegou
Hoje o cenário é diferente. Produtoras como a Valenta, gerida por Larissa, priorizam equidade e chamam mulheres para pintar.
Em São Paulo, o coletivo Efêmeras trouxe os feminismos para dentro do espaço do muralismo, criando ambiente seguro para discussões sobre as dificuldades das mulheres na arte urbana.
Atualmente, Goiânia tem muitas mulheres muralistas talentosas: Thay, Lo, Isi dos Irmãos Credo, entre outras.
Além da “Arte Feminina”: Quebrando Estereótipos
Rita questiona a expectativa de que mulheres sempre façam “arte delicada e sensível”:
“Às vezes a gente só quer fazer um trem bonito mesmo, escrever nosso nome, pintar de rosa e fazer uma carinha da Barbie. Igual os caras fazem. A gente não precisa sempre estar na luta.”
Esta fala poderosa quebra a romantização da “arte feminina” e reivindica o direito de criar sem sempre carregar bandeiras políticas.
Maternidade e Arte: O Desafio do Equilíbrio
Como mãe jovem e solo, Rita enfrenta o desafio de equilibrar criação artística com maternidade.
Rita: “Não tem sido fácil abrir mão das coisas que quis por tanto tempo para cuidar de outro ser humano que se tornou a prioridade da minha vida. Mas também preciso calibrar para dar conta dos meus sonhos profissionais.”
A Importância da Rede de Apoio
Rita é honesta sobre suas limitações e a importância do suporte familiar:
- Pais que ajudam com moradia e cuidados
- Trabalho como designer para a ACCA
- Paciência com as fases da vida
- Esperança de retomar a arte quando a filha crescer
“Não conseguiria fazer nem metade das coisas se não fosse minha rede de apoio”, admite.
Dicas Para Quem Quer Começar no Muralismo
Rita oferece conselhos práticos para iniciantes:
Para quem tem medo:
Comece com lambe-lambe: Imprima arte em papel fino, cole com mistura de cola e água. É rápido e quebra o medo inicial.
Para quem quer usar spray:
- Encontre um muro seguro (casa de parentes, interior)
- Familiarize-se com a técnica
- Assista vídeos no YouTube
- Comece pequeno (nome ou apelido)
- Aceite que vai fazer coisas feias no início
O Diário Gráfico: Biblioteca de Ideias
Rita mantém uma “biblioteca de diários gráficos” – sketchbooks onde registra sonhos, frases de livros, ideias cotidianas.
“Quase todas as minhas ideias para murais vêm dessa biblioteca. Parece instantâneo, mas na real, a maioria das ideias sai de uma vida inteira de ideias catalogadas.”
O Futuro da Arte Urbana Feminina
A trajetória de Rita representa uma geração de mulheres que está transformando a arte urbana brasileira.
Elas não apenas ocupam espaços antes exclusivamente masculinos, mas também questionam expectativas sobre o que é “arte feminina”.
São chamadas para murais diversos – não apenas representações “delicadas”, mas também para restaurantes, eventos de grafite, onde podem “mandar o que quiserem”.
Transformação Através da Arte
Rita Fittipaldi mostra que ocupar as ruas com arte é um ato político de resistência feminina. Sua história inspira outras mulheres a pegarem o spray, encontrarem sua voz e colorirem a cidade com suas próprias narrativas.
A arte urbana feminina não é apenas sobre técnica ou estética – é sobre direito à cidade, direito à expressão e direito de existir sem estereótipos.
Acompanhe o programa ACCA: Autonomia Feminina no YouTube: @culturacidadeearte
Siga Rita Fittipaldi: @ritafittipaldi
Este conteúdo integra o projeto Do Estúdio ao Blog, que transforma em leitura as vozes do programa ACCA: Autonomia Feminina. A ACCA – Associação Cultura Cidade e Arte trabalha pela promoção dos direitos humanos e igualdade de gênero através da arte, cultura e ação social.




