Cooperativa Bordana: Como o Bordado Artesanal Empodera Mulheres no Cerrado
Quando bordar é resistir, existir e cooperar
📝 Do Estúdio ao Blog é o espaço onde transcrevemos e adaptamos as conversas do Programa ACCA Autonomia Feminina para o formato escrito, ampliando o alcance dessas histórias inspiradoras. Os episódios com Celma Grace e Ana Maria da Cooperativa Bordana estão entre os primeiros desta jornada — e não poderiam ser mais significativos.
Há fios que costuram mais que tecidos. Há linhas que atravessam tempo, território e dor, unindo mulheres que bordam não apenas flores, animais ou paisagens — mas caminhos possíveis de autonomia.
Nestes episódios inaugurais do ACCA – Autonomia Feminina, Márcia Pelá recebe Celma Grace e Ana Maria, da Cooperativa Bordana, para falar de trabalho, resistência, afeto e luta. O encontro revela algo que o Brasil insiste em ignorar: a costura e o bordado artesanal sempre sustentaram vidas, famílias e sonhos — mesmo quando foram tratados como passatempo ou destino natural das mulheres.
A conversa abre com uma pergunta provocadora: Quem determina o comprimento da nossa liberdade? A mão que costura ou a mão que explora?
O documentário exibido no início do programa relembra a trajetória de Elvira Boni, costureira que, aos 12 anos, já trabalhava jornadas exaustivas e que, ao romper o silêncio, ajudou a criar a União das Costureiras e liderou greves históricas no início do século XX. “Costurar nunca foi passatempo, foi ato político”, diz a narração. Essa narrativa ecoa intensamente no cerrado atual, onde a Cooperativa Bordana renova essa tradição ao transformar linhas em renda, arte e autonomia feminina.
Entre o fio e a vida: quem são Celma Grace e Ana Maria
Ao se apresentar, Celma Grace resume sua trajetória em camadas: filha e neta de costureira e bordadeira, militante feminista e líder comunitária. Ela revela que a Bordana nasceu de uma dor profunda, transformada em força coletiva através do cooperativismo.
“Eu fui buscar força na história da minha mãe, nos sonhos da minha filha e no meu desejo de construir um mundo melhor. Criamos a Bordana porque acreditamos que mulheres merecem oportunidades que lhes foram negadas por gerações”, diz Celma.
Ana Maria, por sua vez, vem da área jurídica, mas encontrou no bordado artesanal o caminho de volta para si mesma. “Eu não queria mais conflitos. Fui para o bordado porque é lúdico, terapêutico e transformador. E porque eu queria devolver ao mundo oportunidades que eu tive e tantas não tiveram.”
Ela conta que o encontro com a Bordana, na Feira do Cerrado, a puxou para um novo ciclo da vida: “Bordar é ancestral. É feminino. É coletivo. E é político.”
O bordado como resistência: do invisível ao reconhecimento
O trabalho manual das mulheres sempre existiu — mas raramente foi reconhecido como arte ou profissão. Quantas famílias brasileiras sobreviveram graças a uma máquina de costura? Quantas meninas aprenderam a bordar o enxoval enquanto meninos aprendiam a assumir o mundo?
Celma lembra que sua mãe criou cinco filhos costurando — sem reconhecimento, sem descanso, sem renda justa. “O trabalho da dona de casa é invisível. É cobrado quando não é feito, mas não é reconhecido quando é realizado com perfeição.”
A cooperativa surge, então, como trincheira de resistência: um lugar onde mulheres que nunca tiveram profissão passam a dizer com orgulho “sou bordadeira”. Uma delas, hoje com 84 anos, aprendeu a bordar na Bordana e afirma que só agora pode dizer que tem uma profissão. “Isso é autonomia feminina, autoestima, emancipação”, diz Celma.
Autogestão, dignidade e ruptura de padrões patriarcais
A Bordana funciona em autogestão: as cooperadas são donas do próprio meio de produção. É uma frase simples, mas sua profundidade é imensa. “Isso quebra o ciclo patriarcal desde a raiz”, afirma Celma.
Ana Maria reforça: “Na cooperativa, você aprende a dividir trabalho, multiplicar esforços e somar processos. A lógica é outra. Não existe mais-valia. Existe valor. E existe dignidade.”
Homens também participam — como designers, gestores ou bordadores — e isso reforça o caráter transformador da cooperativa. “Homens bordando e mulheres administrando: isso sozinho já desmonta uma estrutura inteira de expectativas de gênero”, diz Ana.
Quando arte vira renda — e quando renda vira autonomia
Uma peça de bordado artesanal pode levar 5, 6, 10 horas para ser concluída. Pode carregar estudo, técnica, pesquisa e emoção. Mas o mercado, moldado por consumo rápido e produção industrial, ainda considera “caro” aquilo que não compreende.
“A diferença entre preço e valor é o que as pessoas precisam aprender”, diz Ana Maria. “O bordado é uma pintura com agulha. É estudo, dedicação, tempo, energia. É uma obra.”
Celma complementa: “Uma almofada não é só uma almofada. É história, é memória, é resistência.”
Como nasce uma cooperativa? Coragem, formação e coletivo
A Bordana nasceu de coragem e necessidade. Mas se fortaleceu com técnica, gestão e formação.
“Elas foram incubadas pela UFG, tiveram assessoria técnica, aprenderam sobre precificação, tributação, autogestão. Cooperativa não é improviso: é ciência, é administração, é política”, reforça Márcia durante o programa.
Ana Maria completa: “Cooperar é verbo. Começa na casa da gente. Começa no condomínio, na comunidade, no trabalho. O cooperativismo transforma porque nos obriga a sair do individualismo e construir algo comum.”
Autonomia: o bordado que tece a si mesmo
O programa encerra com uma pergunta que atravessa todas as pautas da ACCA: Como cada uma conquistou sua autonomia feminina?
Celma responde com a força de quem viveu na própria pele: “A autonomia veio da dor. Mas também da coletividade. Outras mulheres me ajudaram a levantar. E eu quis criar um espaço onde outras mulheres também pudessem se levantar.”
Ana Maria diz que autonomia é feita de escolhas: “Coragem, foco, esperança. Saúde e liberdade são os maiores bens. O bordado devolveu isso para mim.”
A cooperativa testemunha histórias de mulheres que atravessaram medo, pobreza, luto, invisibilidade — e que encontraram no fio um caminho de volta para si mesmas.
Enquanto houver linha, haverá caminho
Enquanto houver linha, haverá caminho.
Enquanto houver mulheres bordando juntas, a autonomia será um bordado coletivo e contínuo.
Celma Grace e Ana Maria provaram isso diante das câmeras:
bordar é curar, resistir, cooperar, existir.
E juntas, elas mostram que nenhuma história precisa ser costurada sozinha.
Assista aos episódios completos
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