Do Estúdio ao Blog : Ludmylla Marques fala sobre educação feminista, arte e autonomia


Transcrição adaptada do programa ACCA: Autonomia Feminina

A educação feminista e a arte são caminhos para romper silêncios, transformar vidas e construir autonomia.- Ludmylla Marques

Márcia Pelá e Ludmylla Marques durante a gravação dos episódios. By Vânia Vieira

Do Estúdio ao Blog é o espaço onde transcrevemos e adaptamos os episódios do programa ACCA: Autonomia Feminina. A cada semana, reunimos os dois episódios gravados com cada convidada ou convidado em uma entrevista única, para que você possa ler, compartilhar e revisitar os diálogos que nos inspiram a construir autonomia.

Na estreia, quem chega até nós é Ludmylla Marques — artista, educadora, poetisa e produtora cultural. Atuando com o Teatro das Oprimidas, ela desenvolve formações voltadas para mulheres em contextos periféricos, quilombolas e populares. Também é idealizadora do projeto Caixa Mundo Eu e realiza trabalhos de contação de histórias afro-indígenas em escolas e comunidades.

Sua trajetória é marcada pela defesa da educação feminista como ferramenta de transformação e pela crença de que a arte é capaz de abrir caminhos para a autonomia. Nesta conversa, Ludmylla compartilha sua história, os desafios enfrentados e as ações que vem desenvolvendo para inspirar outras mulheres.


A seguir, leia a entrevista adaptada dos episódios do programa com Ludmylla Marques

ACCA Autonomia Feminina: Ludmylla, você sempre destaca que sua história é atravessada pela educação. Como foi essa trajetória e quais mulheres marcaram o seu caminho?

Ludmylla Marques: Eu sou uma mulher de periferia e a primeira da minha família a concluir o ensino básico e entrar na universidade. Filha de quatro mulheres — minha mãe, minha avó, minha tia Tânia e minha madrinha — que não puderam estudar porque precisavam trabalhar e cuidar de seus filhos.
Essas mulheres abriram mão de seus próprios sonhos para que eu e minha geração pudéssemos sonhar. Gosto de dizer que sou fruto desse sacrifício. Hoje, quando volto à universidade como professora, sinto que é uma forma de devolver a elas o investimento de tempo, energia e saúde que fizeram.


ACCA Autonomia Feminina: Você também destacou a presença do seu pai. Qual foi o papel dele na sua formação e na sua visão de feminismo?

Ludmylla Marques: Meu pai foi fundamental na minha trajetória. Quando minha mãe se casou novamente, ele me reconheceu como filha e garantiu que eu tivesse acesso à escola. Incentivava a leitura: trazia gibis usados para mim e minha irmã porque acreditava que a leitura podia transformar a nossa vida.
É claro que ele também reproduzia machismos, como tantos homens de uma sociedade patriarcal. Mas isso não apaga o apoio que nos deu. Sempre digo: o feminismo não é contra os homens. É sobre construir uma sociedade mais justa, onde mulheres e homens possam existir em igualdade e respeito.


ACCA Autonomia Feminina: A arte ocupa um lugar central no seu trabalho, especialmente o Teatro das Oprimidas. Como essa prática contribui para a educação feminista?

Ludmylla Marques: A arte acessa espaços que o discurso racional não alcança. O Teatro das Oprimidas é um desdobramento do Teatro do Oprimido, de Augusto Boal, adaptado por Alessandra Vanucci e Bárbara Santos para tratar das opressões que atravessam as mulheres.
Nos processos formativos, usamos a estética — imagem, som e palavra — para criar metáforas que nos ajudam a compreender e superar as opressões. É também um espaço seguro, de escuta e criação coletiva, onde histórias pessoais se tornam narrativas coletivas. A arte nos mostra que nossas histórias são importantes e podem inspirar outras mulheres.


ACCA Autonomia Feminina: No segundo episódio, você apresentou experiências práticas. Pode nos contar sobre alguns projetos que desenvolveu?

Ludmylla Marques: Um exemplo foi o Quintal das Artes Femininas, realizado em Aparecida de Goiânia entre 2017 e 2020. Reuníamos mulheres em rodas de conversa, leituras coletivas e oficinas artísticas. Além de debater feminismo, buscamos também a autonomia financeira, porque ela é essencial.
Muitas participantes se tornaram poetisas, agentes culturais, aprenderam a inscrever projetos em editais e conseguiram acessar leis de incentivo. Algumas entraram na universidade. Outras chegaram à política, como Dona Creuza, que se candidatou à vereança. Essas sementes floresceram e passaram a ocupar espaço social, político e cultural.


ACCA Autonomia Feminina: Você também falou sobre os corpos oprimidos e a misoginia internalizada. Como a arte ajuda nesse processo de libertação?

Ludmylla Marques: No Teatro das Oprimidas começamos com a “desmecanização dos corpos”. É um exercício de consciência corporal: como piso no chão, como movimento o quadril, como abro o peito. Isso nos mostra como a opressão atravessa o corpo e limita a nossa expressividade.
Sobre a misoginia internalizada, os coletivos feministas são fundamentais. Eles nos lembram que não somos inimigas. Ao criar espaços de escuta e acolhimento, aprendemos a enxergar uma à outra como parceiras, não como rivais. É nesse processo que conseguimos abrir portas e caminhar juntas.


ACCA Autonomia Feminina: Para quem deseja se aproximar dessas práticas, que coletivos você indica em Goiânia?

Ludmylla Marques: Destaco três:
– O Ocupa Madalenas (@OcupaMadalenas), que atua com Teatro das Oprimidas em escolas e no EJA.
– O Coletivo Rosa Parques, criado pela professora Luciana Oliveira Dias, que trabalha o feminismo negro dentro e fora da universidade.
– O Entre Raízes, de Elane Moura, que conecta mulheres negras empreendedoras em encontros formativos.
São iniciativas potentes que mostram a força da colaboração feminina.


ACCA Autonomia Feminina: Para finalizar, como você vê o processo de construção da sua autonomia?

Ludmylla Marques: A autonomia é um processo contínuo de descoberta. Desde que encontrei o feminismo negro na universidade, com autoras como bell hooks, Gloria Anzaldúa e Conceição Evaristo, aprendi a olhar para trás e reconhecer a força das mulheres que me antecederam.
Não consigo separar a pessoa da artista. Minha busca é por uma autonomia cultural, profissional e também por uma vida mais confortável, porque não precisamos ser apenas guerreiras. Como diz Bell Hooks, a educação é um espaço de disputa, mas também de diálogo. E é nesse diálogo que construímos uma sociedade mais justa e com mais equidade.

Este conteúdo integra o projeto Do Estúdio ao Blog, que transforma em leitura as vozes do programa ACCA: Autonomia Feminina. A cada semana, uma entrevista adaptada dos episódios chega até você em formato acessível e inspirador. Para assistir às conversas completas, inscreva-se em nosso Canal no YouTube e faça parte dessa construção coletiva de autonomia.