Eles ainda querem mandar em nós: o Estado e os homens contra as meninas

Eles ainda querem mandar em nós: o Estado e os homens contra as meninas | ACCA
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Eles ainda querem mandar em nós: o Estado e os homens contra as meninas

O PDL 3/2025 revela o projeto político de um país que insiste em subjugar corpos femininos — agora, em nome da “vida”.

Por Edição Extra | Associação Cultura, Cidade e Arte (ACCA)
Publicado em 7 de novembro de 2025

A cada geração, o Brasil inventa uma nova forma de dizer às mulheres o que elas podem ou não fazer com o próprio corpo. Desta vez, o alvo são as meninas.

Na noite em que a Câmara dos Deputados aprovou o PDL 3/2025, o plenário parecia encenar um velho ritual patriarcal: homens de terno e gravata decidindo sobre o destino de crianças violentadas. Com 317 votos a favor, o Congresso revogou uma resolução do Conanda que apenas garantia que meninas vítimas de estupro tivessem acesso ao aborto legal — um direito que existe no Brasil desde 1940 — sem precisar provar seu trauma numa delegacia ou tribunal.

A norma era técnica, discreta, protetiva. Foi derrubada em nome da “defesa da vida”. Mas que vida é essa que obriga uma menina de 11 ou 12 anos a levar adiante uma gestação resultante de estupro?

Quando “proteger” significa controlar

Chris Tonietto (PL-RJ), autora do projeto, chamou a resolução de “porta aberta à cultura da morte” e disse que “violência sexual não se combate com aborto”. O relator Luiz Gastão (PSD-CE) afirmou que o texto dava “alta autonomia decisória a menores de 16 anos” e “autorizaria abortos até 40 semanas”. Outros parlamentares, como Sóstenes Cavalcante e Otoni de Paula, repetiram o refrão da “autoridade parental”.

O discurso é antigo. O homem que fala em proteger enquanto retoma o controle. Não se trata de fé, mas de poder — o poder de legislar sobre o corpo das outras, de transformar dor em campo de disputa moral, de decidir quando uma menina tem o direito de ter seu corpo de volta.

“O que incomoda esses parlamentares não é o estupro. É a autonomia.”

Vozes no deserto

Em meio à avalanche conservadora, poucas vozes ousaram romper o coro. Jandira Feghali (PCdoB-RJ) chamou o projeto de “coisa das cavernas” e lembrou que, em muitos casos, “o estuprador é o próprio pai”. Erika Kokay (PT-DF) foi direta: “O Estado deve garantir dignidade e proteção, não impor tutela patriarcal”. E Maria do Rosário (PT-RS) classificou o decreto como “inconstitucional e cruel”, afirmando que ele “premia estupradores e pune meninas violentadas”.

A realidade que o Congresso finge não ver

124 denúncias diárias de abuso sexual contra crianças e adolescentes

65% das vítimas têm entre 5 e 14 anos

34 mil meninas menores de 14 anos em uniões conjugais

26 partos diários de meninas abaixo de 14 anos

Apenas 3,6% dos municípios oferecem aborto legal no SUS

Enquanto os deputados discursam sobre “autoridade dos pais”, o país assiste em silêncio a uma tragédia cotidiana. Quando o Estado nega acesso e ainda exige boletim de ocorrência e decisão judicial, ele não protege. Ele abandona.

Um país governado pela culpa

O PDL 3/2025 é um espelho de um país que ainda acredita que mulheres precisam ser tuteladas e meninas, controladas. O patriarcado não precisa de porrete — tem a caneta do deputado e o carimbo do Estado.

As justificativas soam técnicas: “autonomia excessiva”, “limite gestacional”, “respeito à autoridade dos pais”. Mas no fundo, é o mesmo discurso que atravessa séculos: homens decidindo o que mulheres devem suportar.

A resistência necessária

O coletivo Mulheres em Lutas lançou um abaixo-assinado nacional exigindo que o Senado reverta o PDL 3/2025 e garanta que nenhuma menina seja obrigada a gerar o fruto da violência.

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Os nomes que não podem ser esquecidos

Foram 317 votos a favor, 111 contra e 1 abstenção. Cada voto foi um tijolo na muralha que separa o Brasil da sua própria humanidade.

Confira a lista nos portais Estadão, CNN Brasil e Congresso em Foco.

E nós, o que faremos agora?

Talvez a resposta esteja nas ruas, nos coletivos, nas telas, nas artes — onde a palavra ainda é livre. É lá que o feminismo se reinventa como resistência.

Criança não é mãe.
Estuprador não é pai.
E nenhum homem, deputado ou Estado tem o direito de mandar no corpo das mulheres.

Fontes

  • Câmara dos Deputados — “Deputados analisam projeto que susta diretrizes sobre o aborto em crianças e adolescentes”
  • Brasil de Fato — “Maria do Rosário: decreto que restringe aborto legal de meninas é inconstitucional e premia estupradores”
  • Estadão, CNN Brasil e Congresso em Foco — Votações e repercussões
  • IBGE/UFMG — Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE 2023)
  • MDHC — Boletim Nacional de Violência Sexual (2024)

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Comprometida com a defesa das mulheres, da cultura da autonomia e da educação feminista

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