Transcrição adaptada do programa ACCA: Autonomia Feminina

“O feminismo é uma prática de coragem e amor coletivo — uma luta que nos une às que vieram antes e abre caminho para as que virão.” — Lúcia Rincon
Do Estúdio ao Blog é o espaço onde transcrevemos e adaptamos os episódios do programa ACCA: Autonomia Feminina. A cada semana, reunimos os dois episódios gravados com cada convidada ou convidado em uma entrevista única, para que você possa ler, compartilhar e revisitar os diálogos que nos inspiram a construir autonomia.
Nesta edição, quem chega até nós é Lúcia Rincon — professora, pesquisadora e militante feminista com mais de quatro décadas de atuação. Reconhecida por sua trajetória em políticas públicas e direitos das mulheres, Lúcia participou de conselhos, conferências e movimentos sociais que consolidaram o feminismo como uma força política no Brasil.
Sua história é um retrato da luta coletiva das mulheres por liberdade, igualdade e reconhecimento. Entre a academia e o ativismo, ela ajudou a transformar debates em políticas concretas, sempre reafirmando que o feminismo é uma prática cotidiana e uma pedagogia da emancipação.
A seguir, leia a entrevista adaptada dos episódios do programa com Lúcia Rincon, que reflete sobre quatro décadas de militância feminista, educação e políticas públicas. Em uma conversa potente, ela fala sobre o feminismo como prática cotidiana de coragem, amor e transformação — um caminho coletivo para a autonomia das mulheres.
ACCA Autonomia Feminina: Lúcia, sua militância tem uma trajetória de mais de 40 anos. Como tudo começou?
Lúcia Rincon: Minha militância surgiu no contexto da ditadura militar, quando o silêncio era imposto e a desigualdade era regra. O feminismo foi o espaço onde encontrei voz. Ele me ensinou que lutar pelas mulheres é também lutar pela democracia. Foi o primeiro lugar em que percebi que a nossa experiência pessoal era também política — que o que acontecia conosco não era culpa nossa, mas consequência de um sistema de opressão.
ACCA Autonomia Feminina: O que o feminismo representava naquele tempo e o que representa hoje?
Lúcia Rincon: Naquele período, ser feminista era um ato de resistência. As mulheres começaram a se reconhecer umas nas outras e a compreender que a opressão não era um destino. Hoje, o feminismo segue sendo um instrumento de libertação — só que mais diverso, mais plural e mais interseccional. Ele é a voz que denuncia as injustiças e também o gesto que acolhe e constrói alternativas.
ACCA Autonomia Feminina: Você participou de espaços importantes na formulação de políticas públicas para as mulheres. O que aprendeu nesse processo?
Lúcia Rincon: Aprendi que as políticas públicas só existem porque as mulheres se organizam. Nada nos foi dado: cada avanço foi resultado de luta, mobilização e persistência. Trabalhar com políticas públicas é entender que elas precisam chegar às mulheres reais — às que estão nas periferias, no campo, nos quilombos. É garantir que o Estado enxergue essas mulheres e crie condições para que elas vivam com dignidade.
Mas tudo é muito instável. Cada novo governo exige que o movimento se reorganize para defender o que já foi conquistado. O feminismo é uma resistência permanente.
ACCA Autonomia Feminina: O conceito de interseccionalidade aparece muito no seu discurso. Como você o entende na prática?
Lúcia Rincon: Interseccionalidade significa compreender que as opressões se cruzam. Uma mulher negra, por exemplo, enfrenta o machismo e o racismo ao mesmo tempo. Uma mulher com deficiência vive outras formas de exclusão. Por isso, o feminismo precisa olhar para todas essas experiências sem hierarquizar a dor de ninguém. Só um feminismo plural é capaz de transformar a sociedade de fato.
ACCA Autonomia Feminina: E como você define a autonomia feminina?
Lúcia Rincon: Autonomia é a capacidade de decidir sobre a própria vida, mas também de construir caminhos coletivos. Nenhuma mulher é autônoma sozinha. A autonomia depende de políticas públicas, de acesso à educação, à renda, à moradia, à saúde. É também um processo de consciência — entender que a nossa liberdade está ligada à liberdade das outras.
ACCA Autonomia Feminina: A educação feminista aparece como central em sua fala.
Lúcia Rincon: A educação é a base da transformação. Uma educação feminista é aquela que ensina a pensar criticamente, a questionar o poder e a reconhecer o valor da experiência das mulheres. Ela forma cidadãs conscientes, que sabem que têm direito à voz. A escola é um espaço político — e é nela que podemos romper com as estruturas de desigualdade.
ACCA Autonomia Feminina: E a arte, qual o seu papel nesse processo?
Lúcia Rincon: A arte é uma linguagem de libertação. Ela comunica o que nem sempre conseguimos dizer. A cultura popular é uma das maiores forças de resistência das mulheres. Quando uma mulher borda, canta, encena ou escreve, ela está afirmando sua existência e desafiando o silenciamento. A arte é política porque transforma a dor em criação e o cotidiano em memória.
ACCA Autonomia Feminina: Quais os desafios do feminismo hoje?
Lúcia Rincon: O maior desafio é garantir que não haja retrocesso. Vivemos um momento de discursos conservadores que tentam apagar décadas de conquistas. Precisamos reafirmar que igualdade e direitos não são ideologias, mas fundamentos da democracia. Outro desafio é a renovação — acolher as jovens, suas linguagens, suas demandas, e construir pontes entre gerações.
Lúcia Rincon encerra sua participação com uma reflexão que sintetiza sua trajetória:
“O feminismo é uma prática de coragem e amor coletivo. É o reconhecimento de que nenhuma de nós caminha sozinha. Cada passo que damos carrega a força das que vieram antes e abre o caminho para as que virão.”
Este conteúdo integra o projeto Do Estúdio ao Blog, que transforma em leitura as vozes do programa ACCA: Autonomia Feminina. A cada semana, uma entrevista adaptada dos episódios chega até você em formato acessível e inspirador. Para assistir às conversas completas, inscreva-se em nosso canal no YouTube e faça parte dessa construção coletiva de autonomia.





