Dia da Consciência Negra: memória, luta e enfrentamento necessário ao racismo estrutural

ACCA — Reflexão

Dia da Consciência Negra: memória, luta e enfrentamento necessário ao racismo estrutural

20 de novembro - Dia da Consciência Negra
Zumbi dos Palmares: memória e resistência — 20 de novembro, Dia da Consciência Negra.

Criado pelo movimento negro brasileiro nos anos 1970, em plena ditadura militar, o Dia da Consciência Negra nasceu como um ato de enfrentamento ao mito da democracia racial e à tentativa de silenciar o debate sobre desigualdade no país. Ao escolher 20 de novembro — data do assassinato de Zumbi dos Palmares em 1695 — militantes e intelectuais deslocaram o foco do 13 de Maio para uma narrativa que reconhece a resistência, a luta e o protagonismo do povo negro na construção do Brasil. Oficializada nacionalmente apenas em 2011, a data se consolidou como um marco político que denuncia a persistência do racismo estrutural e reivindica memória, reparação e justiça social.

O Dia da Consciência Negra não é apenas uma efeméride no calendário. É um chamado público para que o Brasil enfrente aquilo que historicamente se esforçou para ocultar: o peso da escravidão, o racismo entranhado nas instituições e a urgência de uma postura antirracista contínua. A data, associada à memória de Zumbi dos Palmares, não se encerra em homenagens; ela exige ação, responsabilidade coletiva e o rompimento com o pacto tácito que sustenta desigualdades raciais há séculos.

A intelectual e escritora Conceição Evaristo afirma que “enquanto houver racismo, não haverá democracia”. Sua frase sintetiza um ponto central: não existe futuro justo em uma nação que, ainda hoje, mata, invisibiliza e precariza vidas de pessoas pretas. Reconhecer isso é o primeiro passo; agir politicamente é o passo seguinte.

A data como instrumento político — não como ritual simbólico

O 20 de novembro não busca substituir a luta cotidiana: ele a intensifica. Como lembra a filósofa Djamila Ribeiro, “não basta não ser racista, é preciso ser antirracista”. Ou seja, a consciência racial não pode ser sazonal, comemorada uma vez por ano e arquivada no dia seguinte.

Ser antirracista significa tensionar estruturas, questionar privilégios, disputar narrativas, propor novas políticas públicas, ampliar representações e desmontar mecanismos institucionais que mantêm a desigualdade racial no centro da vida brasileira.

A importância de nomear a violência: racismo estrutural

O Brasil cultiva, há décadas, a ideia de que somos um povo guiado pela cordialidade. A narrativa de que vivemos em harmonia serve, muitas vezes, para disfarçar tensões sociais e raciais profundas. Mas a imagem edulcorada entra em choque com a realidade: mulheres negras são as principais vítimas de feminicídio; recebem os menores salários; sofrem as maiores taxas de violência obstétrica; ocupam, em menor número, espaços de poder — seja na política, na ciência, na mídia ou no mercado de trabalho.

A socióloga Sueli Carneiro, referência do movimento negro contemporâneo, afirma que “o racismo é uma tecnologia de morte”. Ele define quem vive e quem morre, mas também quem trabalha, quem é preso, quem é ouvido, quem é esquecido. Combater o racismo, portanto, é lutar pela preservação e dignidade das vidas pretas.

Por que o mito da democracia racial é tão perigoso

Durante décadas, o Brasil exportou para o mundo a falsa imagem de que, por ser um país miscigenado, estaria livre de conflitos raciais. Essa narrativa — o mito da democracia racial — apaga violências, impede diagnósticos e bloqueia qualquer tentativa de transformação estrutural.

A antropóloga Lélia Gonzalez denunciava com contundência como essa fantasia funcionava como um “disfarce ideológico que naturaliza a marginalização da população negra”. Quando acreditamos que não existe racismo, deixamos de combatê-lo. Quando repetimos “somos todos iguais”, apagamos o fato incontornável de que a sociedade não trata todas as pessoas da mesma forma — especialmente em um país construído sobre a escravização, a segregação informal e a desigualdade racial persistente.

Esse mito não é um equívoco inocente: é um mecanismo de silenciamento. Ele faz com que denúncias de racismo sejam tratadas como exagero ou “vitimismo”, deslocando a responsabilidade do agressor para a vítima. E, ao afirmar uma harmonia que nunca existiu, preserva privilégios, bloqueia políticas públicas e perpetua desigualdades — em renda, educação, representatividade, segurança pública e acesso a direitos fundamentais.

Mulheres negras: intelectuais que moldaram — e moldam — o Brasil

  • Carolina Maria de Jesus – escritora que transformou a fome e a exclusão em testemunho literário e denúncia social.
  • Beatriz Nascimento – historiadora que ressignificou os quilombos como experiência política e territorial de resistência.
  • Sueli Carneiro – filósofa, fundadora do Geledés, pioneira na denúncia do epistemicídio e na defesa dos direitos das mulheres negras.
  • Lélia Gonzalez – antropóloga fundamental para o feminismo negro latino-americano e crítico pensamento racial brasileiro.
  • Ruth de Souza – atriz que rompeu barreiras na dramaturgia confrontando o racismo nas artes.
  • Djamila Ribeiro – filósofa contemporânea que impulsiona debates sobre lugar de fala, representatividade e feminismo negro.
  • Angela Davis – referência global na articulação entre raça, classe e gênero, cuja obra influencia movimentos em todo o mundo.

Reconhecer essas mulheres não é um gesto meramente simbólico: é reposicionar o cânone intelectual e cultural brasileiro.

Ser antirracista é compromisso — não tendência

A transformação necessária não virá de um único dia, nem de hashtags, nem de discursos moralistas. Virá da continuidade da ação:

  • da cobrança por políticas públicas efetivas;
  • da defesa da equidade racial no trabalho, na política e na mídia;
  • da revisão crítica dos currículos e das instituições;
  • da ampliação da presença de mulheres negras em espaços de decisão;
  • da recusa ativa às narrativas que normalizam desigualdades.

20 de novembro é memória — mas também é projeto

A data nos lembra que a luta contra o racismo é histórica, mas sobretudo urgente. Que Zumbi e Dandara não são personagens congelados no passado, mas símbolos de resistência que ainda orientam nossas lutas.

E lembra, acima de tudo, que não haverá democracia enquanto a população negra tiver sua dignidade ameaçada todos os dias.

Que o Dia da Consciência Negra seja menos um gesto simbólico e mais um chamado para enfrentar o país real — duro, desigual, racializado — com coragem, lucidez e compromisso coletivo.

A ACCA reafirma seu compromisso com a luta antirracista como eixo central de sua atuação cultural, educativa e política. Acreditamos que transformar o Brasil exige enfrentar o racismo estrutural com ação, conhecimento e participação comunitária. Convidamos você a fortalecer essa rede: participe de nossos programas, compartilhe este conteúdo, apoie iniciativas de diversidade e junte-se a nós na construção de uma sociedade que reconheça, valorize e proteja as vidas de pessoas pretas todos os dias — e não apenas em novembro.

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